sexta-feira, 8 de julho de 2011

É a vida menino

De Walmir Lacerda - wglacerda.blogspot.com/

Pequena criatura que agora dorme em meu colo
Tranquila, como se sonhasse com unicórnios
Saiba que você ainda não te conhece
Nem eu e talvez nem Deus


Tenha amor aos seus pais
Mas não te esqueças de que cada ser desse mundo 
é também da sua família
Mesmo eles não sendo quem você quer que eles sejam


Seus traumas de infância são teus tesouros
Eles vão te diferenciar, te projetar em um planeta
Tua plateia serão as estrelas
Cada constelação te fará mais belo e justo


No turbilhão de perfis que irá conhecer quando adolescente
Você encontrará o seu, nenhuma escolha
É você de binóculo para o futuro
Não te esqueças, acredite no que ele te mostra


Projeções para mais longe seriam um erro
Depois que tu te conheces você é livre
Ninguém conhece teu destino
É a liberdade te soltando em um labirinto


Para que não se perca lhe digo para olhar o Sol
E também a Lua e todos os outros planetas
Eles são o cosmo, a única coisa que você deve acreditar
Deus ou cosmo, é só a natureza


E para não falar de morte agora te falo sobre o amor
Ame, se apaixone, por qualquer um, por qualquer uma
Meu querido do seu coração sai sua arte, que alimenta a terra
E continua o ciclo


Olhe ali o primeiro lírio nascendo
Continue dormindo, não lhe digo mais nada
Quando acordar me dê um beijo 
Um sorriso e vá brincar

Delírio

De Walmir Lacerda - wglacerda.blogspot.com/

Sentar e não conseguir extrair,
Uma palavra, um verso sequer, 
Do que me atormenta, do que sou
Do que borbulha como lava na minha mente


Me pego chorando sobre o papel branco
Olhos abertos, procurando, em pranto
Querendo me libertar do silêncio
No qual preso estou, vazio


Peço que se possuir algum sentimento
Dê-me agora, você não vai usar, por um momento
Devolvo-te com palavras, das mais belas
Não sou egoísta, mas posso pular de uma janela


Apenas escrever sobre o belo não é o bastante
A emoção é necessária, é essencial
Dor ou amor, sou mortal, sou finito
Preciso dizer enquanto não me findo


Aqui está minha dor, é daí quem vem meu delírio
Neutro estou a vegetar
Minh'alma partiu, 
É esquecida, está muda, sou morto.

O Sistema Solar

De Walmir Lacerda - wglacerda.blogspot.com/

Nasci várias vezes, sou infinito
Então sou muitos, mas em três posso me explicar


Os poemas, os olhares, do que é feito um coração
Sai do artista, que acredita na arte
Faz do meu corpo templo sagrado da expressão
Amar-te, ama a arte, a mãe arte
Se perde, se ganha, se muda
é inconstante,
te ama, te odeia, te usa
Mas ele é o próprio usado
Que depois de tudo sofre
E produz mais e mais e te faz chorar


Minha solidariedade sai do homem
que olha pra sociedade e sabe que dela faz parte
Que é neutro e quer uma vida neutra
Cheia de normalidades
É o medroso que não se arrisca
Que é manipulado, que é um tabu


Do fim, meu egoísmo sai de um guerreiro
que mata e está disposto a morrer
Que vende seu corpo, que não tem fé
Deseja a vitória acima de qualquer amor
Ama a si próprio como Deus ama a criação
E come da carne de seus amigos
Apenas afirmando sua identidade cão


Nos três quero viver, os três são meus e sou eu
Os alinharei em um eclipse perfeito
Para que o poeta ilumine o homem
e ambos escondam o guerreiro


Outros sete nasceram
Agora sou um sistema solar,
Uma imensidão incompreendida sem nada a esconder
Que quer dessa vida, nada mais do que viver

terça-feira, 28 de junho de 2011

Rush - 2112

Por Cícero Leitão - Guitarrista (www.myspace.com/scionofhybrids)e graduando de música pela UFOP
O quão longe vai o sonho de dois amigos de escola? Para entender a história deste disco, precisa-se entender a história desta banda.
Um é filho de judeus sobreviventes da Segunda Guerra Mundial e outro filho de eslavos, que fugiam das guerras do leste europeu, todos acolhidos pela mãe Canadá. Tímidos, se afastavam do triste mundo real através da musica e lá formaram uma amizade/banda que carregariam para o resto de suas vidas, Rush!
Largaram a escola e para se dedicar à banda e não demorou muito para gravarem seu primeiro álbum, “Rush”. Conseguiram contrato nos EUA e ficaram conhecidos na época como o “Zeppelin canadense”. Mas no próximo álbum a banda já não se contentava com só aquilo e foi formando aos poucos sua personalidade própria que puxava muito mais para um lado progressivo e já não parecia com seus ídolos ingleses. Um fracasso, “Fly By Night” e o terceiro álbum “Caress of Steel” não emplacaram e isto irritou a gravadora que exigiu que o Rush voltasse a ser o que era antes, curto e direto!
As coisas já não iam bem e outro fracasso seria o fim do contrato e da banda, mas até mesmo nerds cansam de apanhar e serem reprimidos, e estes garotos resolveram afundar com o barco ao compor “2112”. O disco é um “não” a gravadora e a todos que não aceitavam o Rush como ele é. E por ironia do destino esse foi o primeiro grande sucesso da banda que só estava começando sua caminhada.
A faixa-título, “2112”, ocupa todo o lado A do disco e possui vinte minutos e meio de duração. Sim, esse foi o “não” mais bem dito na forma de uma musica.
Pior que isso, se baseando no livro “1984” de George Orwell, o lendário baterista Neil Peart escreveu um conto aqui cantado que se passava em uma futura ditadura, na qual tudo era controlado pelos sacerdotes, governantes que, se precisassem, convenceriam o povo de que dois mais dois é igual a cinco.

“We've taken care of everything
The words you hear, the songs you sing
The pictures that give pleasure to your eyes.
It's one for all and all for one
We work together, common sons
Never need to wonder how or why.”


Mas o eu lírico desta história encontra em um momento, atrás de uma cachoeira, um instrumento mágico de cordas. Algo ancião, abandonado pela humanidade e ignorado pelos sacerdotes, uma guitarra. Com um pouco de sensibilidade, percebe-se que esta guitarra simboliza, nesta parábola, o verdadeiro som do Rush. Ele, empolgado, leva para os sacerdotes aquela preciosa descoberta, sabendo que aquilo tocaria a humanidade e teria de ser compartilhado com todos.
“I can't wait to share this new wonder
The people will all see its light
Let them all make their own music
The Priests praise my name on this night.”


A música então passa a se dar em forma de diálogo. E para a surpresa do eu lírico, aquela maravilha não é bem recebida pelo comando, que rejeita e condena o instrumento. Eles não querem o bem para humanidade, eles querem o que for mais útil, simples e sob controle. Se não for assim, não se encaixa no plano de governo. Neste momento nosso aventureiro percebe tudo de errado no mundo e perde a esperança ao saber que toda a sua vida já está traçada por aqueles que pouco se importam com ele, que seus sonhos nunca serão realizados e que o livre arbítrio não passa de uma falsa ilusão da humanidade.

“Don't annoy us further! We have our work to do.
Just think about the average, what use have they for you?
Another toy will help destroy the elder race of man
Forget about your silly whim, It doesn't fit the Plan!”


Na volta para casa ele adormece e vê um mundo novo, apresentado a ele por um oráculo. Lá o homem enxerga a verdade e se levanta contra a opressão, o homem aprende, cresce e se fortalece para derrubar os templos sacerdotais e erguer um lar onde já não existia mais.

“I stand atop a spiral stair, an oracle confronts me there.
He leads me on light years away, through astral nights, galactic days.
I see the works of gifted hands that grace this strange and wondrous land.
I see the hand of man arise, with hungry mind and open eyes.”


Ao fim deste conto, o protagonista se isola naquela caverna atrás da cachoeira, aonde encontrou a guitarra, pois sabia que ali ele não estaria sob domínios sacerdotais. Mas de que adiantava? Seu sonho continuava vivo em sua mente e o mundo tão distante de alcançar aquele patamar... A vida já não fazia nenhum sentido para ele. Assim, ele deitou-se pela ultima vez para não acordar mais e seu sangue foi derramado.

“Just think of what my life might be
In a world like I have seen!
I don't think I can carry on
Carry on this cold and empty life”

The Gran Finale!

“Attention all Planets of the Solar Federation
Attention all Planets of the Solar Federation
We have assumed control.
We have assumed control.”


Como já dito antes, o mais belo “não”. Um grito contra a opressão das gravadoras, um grito por liberdade criativa e uma carta de suicídio da banda Rush. Quem imaginou o futuro (post-mortem?) reservado para este trio? Acabaram por se tornar a banda canadense de maior sucesso da história.
Lado B
O lado B começa com “A Passage To Bangkok”, uma volta ao mundo basicamente. Uma musica simples e sincera que destaca a beleza de vários lugares do mundo fora do eixo “America do Norte – Europa”

“We're on the train to Bangkok
Aboard the Thailand Express
We'll hit the stops along the way
We only stop for the best”


O disco segue-se com a misteriosa musica “The Twilight Zone”. Sussurros ao fundo, só escutados com fones de ouvido, criam um clima, por muitas vezes macabro e interessante. Como se te chamasse para um mundo distante e perigoso. Essa é provavelmente a mais bela musica do álbum.
“You have entered the Twilight Zone, beyond this world strange things are known
Use the key, unlock the door. See what your fate might have in store...
Come explore your dreams' creation. Enter this world of imagination...”
“Lessons” entra em contraste com a ultima, com uma sonoridade muito mais feliz e a princípio acústica. Possui uma linha de baixo mais desenvolvida e um refrão empolgante ao velho estilo Rock n’ Roll.
“Sweet memories, I never thought it would be like this
Reminding me, Just how close I came to missing”
Uma certeza eu tenho. “Tears” foi escrita em um dia frio e chuvoso. Uma musica muito triste e sombria. Não faz o tipo da banda, mas até as pessoas mais felizes têm seus dias mais depressivos, porque a vida não é tão bela o quanto alguns pregam e alguns dias irão chover.
“A lifetime of questions, tears on your cheek
I tasted the answers and my body was weak”
Para encerrar o álbum vem a musica “Something for Nothing”, a introdução pode enganar, mas esta é a musica mais pesada do lado B. Ela completa “Tears” perfeitamente, pois ela é uma musica de reabilitação após momentos conturbados. Mesmo sem saber a letra, isto é perceptível, porque a música por si só, conta uma historia, e é a variedade de emoções que este disco provoca que o torna tão rico musicalmente. Cada nota é uma palavra que os instrumentos te contam.

“You don't get something for nothing
You can't have freedom for free
You won't get wise
With the sleep still in your eyes
No matter what your dreams might be”

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Arbeit Macht Frei (ou um exercício de contorcionismo aplicado ao inútil)


Por Kaique Pimentel 
 
Dedicado aos que realmente estão à margem de tudo.

Subindo a avenida, dentro do circular lotado, de pé e com a cara amassada de sono, ele ia trabalhar, avaliando a sorte que era (ou não) trabalhar em uma repartiçãozinha pública besta com um contrato temporário...vender um terço do seu dia por um preço razoável durante um ano; o que no fim das contas se encaixava com o fato de que, pra ele, qualquer emprego se tornava um pé no saco sem tamanho.
Mal chegou no fim dessa  analise quando percebeu que, mais uma vez, tinha descido no ponto errado, ao mesmo tempo em que chegava à conclusão que o que tinha era a soma do melhor dos mundos dos seus pais: o salário mais ou menos, amparado  por uma lei oitomilequalquercoisa de não sei quando e que caía todo quinto dia útil  mês na conta do banco lembrava o emprego público tedioso da mãe. Já a rapidez com que o dia de trabalho passa  lembra o trabalho braçal,  brutalizante e semi-autodestrutivo do pai.
Mais um quarteirão e ele vira a esquina do drive-thru do Mccâncer, pensando também que “pelo menos com esse dinheiro deu pra sair de casa”.
(Não que a casa dos pais fosse de todo ruim, mas ele tinha que seguir o caminho obrigatório: sairdecasacontanobancoempreguinhobesta5vezesporsemana2,5filhoscasinhapróprianumbairrolánapoutaquepariufinanciadapelacaixaeconomicafederalcachorrovereumprogramaidiotanaTvnofinaldecadadia e etc.)
Os primeiros passos pra a vidinha besta de classe média baixa que sua família tinha traçado para ele estavam dados...agora era assinar o livro de ponto e tentar explicar porquê  estava atrasado 15 minutos pela enésima vez: pensar realmente é uma praga purulenta e podre!
Livro de ponto, caneta na mão, 8:00 no primeiro quadrado da pagina com seu nome, (uma mentira besta na folha:já são 8:20!) um rabisco à guisa de assinatura e era hora de começar a vender suas 8 horas diárias.
Chegando na sala, ele encontra as figuras de  todo dia: Wilson, um velho com cara de vilão de desenho animado: barba branca, nariz adunco, meio careca, barrigudo, a calça sempre caindo e que só abre a boca pra arremessar um palavrão ou outro impropério aleatório qualquer,  Zé Antônio (que desconfia-se estar 90% do tempo bêbado, visto que fala enrolado como um bêbado, solta frases nonsense como um bêbado, cambaleia e cochila como um bêbado...) Pedro, que está sempre mais calmo que deveria, repetindo alguma coisa engraçada com voz de desenho animado, e, last but not least, a turista da sala, que provavelmente não estaria lá naquele dia, que raramente ia trabalhar (mais precisamente: só umas 3 vezes por mês) que passa o dia todo ao telefone com sei lá quem falando um monte de abobrinha com aquela voz arrastada e empapada de Lexotan 600 mg e uma cara de “Jabba the hut”, fora seus dois colegas de infortúnio...
Uma pilha de envelopes e formulários de correio está esperando na mesa: cola selo, bate carimbo, copia o endereço do destinatário na carta, no formulário de seiláoque do correio, pesa, anota o peso na carta e na porra do formulário. Próxima carta. Ele Fica nessa “brincadeira” por mais ou menos meia hora. Joga um pouco de conversa fora; o jogo do Atlético, fulano jogou mal, fulano é um pouta jogador e blábláblá, vou ter tanto de desconto no fim do mês, não vou ter desconto nenhum… isso por mais alguns minutos, até o não-tão-esperado chamado: 50 caixas de nãoseidequal equipamento ultra caro, que se alguém deixar uma que seja cair, quebrar , machucar, sujar ou sumir, vai ter o salário descontado integralmente pelo resto do contrato e, quem sabe, até pagar pra trabalhar pro resto da vida aqui. Aí é tirar do depósito do térreo, levar pra outro depósito no primeiro andar, anotar um zilhão de numerosinhos idiotas de patrimônio e de série e depois colocar em algum canto até chegar a hora de mandar pr'algum canto qualquer que, definitivamente, não interessa a ele.
O depósito é como todos os depósitos de coisas do mundo devem ser - apesar de não ter a ínfima vontade e nem possibilidade de ver todos os depósitos do mundo, ele tem a certeza absoluta de que todos são iguais: sem uma janela que seja, com um monte de caixas espalhadas em um monte de prateleiras, que variam entre madeira sem pintura e alumínio pintado de bege ou cinza escuro, cheias de caixas e mais caixas e mais caixas de sei lá o que(o conteúdo não importa, a única coisa que importa é que o sumiço ou um dano no conteúdo ferra a vida de bestas feito ele) , dispostas nas paredes com alguma ordem que pra ele é tão misteriosa quanto o sexo dos anjos.
Algumas poucas prateleiras passam  e o levam até as malditas caixas, que vão fazê-lo suar como um porco capado no sol escaldante do deserto do Saara enquanto carrega, coloca no elevador, tira do elevador, carrega, coloca em um carrinho( onde só cabem cinco caixas), levantar o carrinho, empurrar o carrinho cagando de medo das caixas caírem (que valem mais que a sua vida medíocre de contratado temporário), se quebrarem, e  como condição sine qua non, inevitável e certa, fuderem a sua vida estúpida e desconfortável...
Depois desse exercício de medo, força e um pouco de destreza aplicada ao inútil, ele  pára, bebe água, respira como  uma mulher no parto, (o concurso que fez não avisava que ele serviria ocasionalmente de besta de carga e ele não tem força praticamente nenhuma pra isso) e se prepara pra parte burocrática da coisa, que vai lhe consumir o resto da manhã e o resto da tarde...(mas que mesmo assim, detêm uma vantagem minima: discussões sobre qualquer coisa que ele imagine, podendo participar ou só ouvir, quando não estiver participando...)
Pausa para o almoço: o mesmo restaurante de todo dia, claro! o mais barato da vizinhança, com a mesma comida todo dia, sem alteração nenhuma ao longo dos tempos...a não ser o preço, que só sobe.
Uma hora depois, ele está de volta no segundo depósito da repartição (basicamente com a mesma cara do outro, excetuando algumas diferenças minimas: uma janela de vidro no canto esquerdo, uma mesa no meio e uma balança no canto). Hora de abrir caixas, anotar números que não fazem um mínimo de sentido e passar a tarde discutindo o que parece fazer sentido.
Após uma meia duzia de caixasnumerosadesivosdemaisnumeros seguidas de mais caixasnumerosadesivosdemaisnumeros, um dos seus colegas de infortúnio solta a questão do dia:
            - Você veio ao mundo a trabalho ou a passeio?
Uma ótima questão para fazê-lo ferver os miolos (somada com as que já tinham feito ele se atrasar mais cedo), que prontamente foi respondida do canto oposto da mesa do depósito por outra pergunta:
            - Como assim?
            - A passeio ou a trabalho, ora!
“Belo esclarecimento!”, pensa ele ainda calado.
Depois de um discurso sobre o trabalho ser “a dimensão transformadora da vida, (definição quase marxista, diga-se de passagem, o que é hilário, já que o discurso anti-comuna desse cara é a favor dos donos do chicote) que faz as coisas mudarem, que transforma a vida das pessoas, que transforma o mundo, que faz as coisas surgirem”, opiniões em contrario começam a surgir do outro lado da mesa:
            - Perai!.E o que o ócio pode produzir de bom, não se enquadra em transformação não?
Do chão ele acompanha a discussão, como que de uma arquibancada do coliseu, vendo leões e cristãos a se digladiarem:
            - Então você veio a passeio, há!
Caras de “ahn?! Que porra é essa ?” surgem ,e logo em seguida delas mais uma pergunta pra indicar o rumo estranho da discussão:
            - Nos melhores momentos da sua vida,você estava trabalhando ou  fora do trabalho?
            - Fora do trabalho, ora, onde mais?
Um ar triunfante surge do lado arremessador de perguntas da mesa:
            - Não disse? Você veio a passeio!
Mais uma vez, o ar triunfante surge, seguido de uma, até então inédita, explicação:
            - Se o trabalho não é o melhor da sua vida, você veio a passeio...é bem simples, se você só se  sente satisfeito fora do trabalho, você está pela vida a passeio.
             - Então se eu não me sinto satisfeito fora das 8 horas que eu sou obrigado a vender pra conseguir viver eu vim a passeio? Pra mim isso é uma forma muito besta de ver as coisas... o trabalho é só uma dimensão da vida! SÓ UMA, ENTENDEU?
            - Pode ser só uma, mas é dimensão que muda as coisas.
            - Muda as coisas pra quem? Pra quem lucra com o produto do trabalho alheio? Pra quem perde 8 horas todo dia sabendo que o melhor do que produz vai fazer a festa de um outro qualquer? Seja o outro um patrão fiadaputa que investiu algum dinheiro e arranca o de quem trabalha pra ele pagando um mínimo qualquer, seja prum governo, igual o que paga a gente conseguir fazer o que acha e pra manter as coisas do jeito que sempre foram.
            - As coisas não são bem assim não, ô seu comunista...quem investe algum dinheiro, o suor do trabalho dele, merece o lucro como recompensa...
Antes que ele terminasse o raciocínio, uma pedra em forma de palavra é arremessada do campo adversário da mesa:
            - Suor do trabalho ou da renda/herança/exploração alheia?
            - Ah lá...já começou...daqui a pouco solta um “em Cuba” ou um “na união soviética...”.Essa conversa de dividir as coisas por igual só foi um jeito bonito de botar todo mundo na miséria debaixo de um governo totalitário qualquer.
             - E quem te disse que só existe esse jeito de dividir as coisas e que ele depende de um governo totalitário? Aliás, quem te disse que as coisas do jeito que são dão muita margem de escolha, muita opção?
            - Aiai, sempre a mesma história...vou resumir: o capitalismo, com livre iniciativa, é o pior jeito de levar as coisas, depois de todos os outros, que não deram certo em canto nenhum, é isso?

Aquela conversa era, basicamente, a mesma conversa  que sempre se dava entre os dois, nas quais ele nunca se atrevia a intervir muito... mas pelo que tinha batido na sua cabeça durante o dia, quem sabe não abria uma exceção?
           
            - Genial!- arrisca ele - ou eu aceito chicote no lombo vindo do patrão, que vai me arrancar o couro até os 70 anos, ou eu aceito levar chumbo no lombo de um governo que resolve até quantas vezes eu posso cagar no dia? Belo leque de opções, hein?
            Os dois fazem uma cara estranha, ignoram o que ele diz e  deixam que   continue carregando as caixas sozinho. Ele ignora  o resto da discussão, como devia ter feito desde o inicio.
            Depois de duas horas, rodando feito um peru bêbado, ele repara que a discussão voltou ao ponto inicial e diz:
            - Tá bom, vocês dois devem estar certo, agora vamo parar de masturbação mental e me ajudar a carregar a merda dessas caixas.


Moral da história: na pratica, a teoria é outra.



 Nota do autor: arbeit macht frei estava escrito no portão do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia e quer dizer “o trabalho liberta” em alemão. 

Para Sara Meynard

Por Douglas Cristian - kafkacity.blogpsot.com

Ela docemente versa o verso
Inocentemente contrói a rima
lindamente muda uma vida!

Cada verso ou estrofe tem um mágico poder
Poder para fazer o universo sair do lugar
Poder para sarar uma vida e a essa vivente motivar
Dar vida ao pós-vida e continuar

Por isso te peço,
nunca deixe de poetizar!